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Inúmeros historiadores afirmam que a atividade lúdica surgiu com o próprio homem, tendo início nas celebrações da colheita, caça e pesca, desde a pré-história.

O historiador francês Philippe Ariés declara que até o início do sec. XVII não existia uma separação rigorosa entre jogos e brincadeiras reservadas aos adultos de atividade lúdicas apropriadas às crianças. Os mesmos jogos circulavam entre ambos (crianças e adultos).

A atividade lúdica é, portanto, inerente ao ser humano, sendo a criança, de modo especial, um ser essencialmente lúdico.
A partir do balbucio – fase preliminar do processo de aquisição da linguagem – o bebê inicia uma relação de intimidade com a língua materna. Daí em diante fará fantásticos progressos.

Quanto mais lúdica for a relação entre a criança e seu idioma natal, mais intenso e promissor será seu aprendizado. Nessa etapa, a presença dos pais (ou outra figura de apego da criança) é imprescindível para estimular o brinquedo com a palavra. Canções de ninar, brincos e parlendas constituem parte do repertório da tradição popular de valor inestimável, desempenhando uma valiosa função nessa fase inicial de contato com a língua materna.

Canções, histórias cantadas, pequenos poemas e lenga-lengas, em geral, são fontes de total encantamento da criança. A força desse rico material estético está na diversidade sonora, que difere bastante do linguajar cotidiano.

O ritmo, a métrica, a rima, as figuras de linguagem como aliteração, assonância, onomatopéia, dentre outras, são recursos que concedem a palavra um encanto especial, colocando-a na categoria de brinquedo.

Lamentavelmente, a poesia ainda ocupa um espaço ínfimo nas salas de aulas, quando deveria, sobretudo na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, ser o ponto central das atividades, tanto por seu caráter lúdico como pelo valor estético que caracteriza esse gênero da literatura infantil.

Compreendemos que a resistência em lidar com a poesia na sala de aula deve-se, em parte, à idéia equivocada de que a poesia é, inevitavelmente, um texto contemplativo, para ser refletido, analisado e compreendido em suas várias metáforas. Haverá, sem dúvida, em fase posterior, ocasiões em que essa poesia de caráter reflexivo terá espaço.

No entanto, em se tratando de poesia infantil, voltada para as séries escolares iniciais, não podemos perder de vista o perfil da criança dessa faixa etária, que, além de sua natureza lúdica, tem necessidade de dar vazão a intensa vitalidade que lhe é própria, canalizando essa energia excessiva de forma saudável, prazerosa e produtiva.

Com base em tais considerações, lembramos que a poesia para a criança é, sobretudo, um brinquedo verbal. Alguns poemas sugerem a realização de gestos e movimentos – o que nos remete aos primórdios da linguagem, quando a fala suscitava o complemento de mímicas e o reforço gestual para garantir o êxito da comunicação.

A inclusão do gestual na poesia infantil auxilia a compreensão das palavras, uma vez que a linguagem tem natureza simbólica e o gesto é um meio de corporificar a linguagem, complementando com um elemento concreto o processo de comunicação.

Gestos e movimentos cumprem também a importante função de colaborar com a educação psicomotora – um aspecto imprescindível, sobretudo, na etapa da educação infantil.

A descoberta de relações sonoras como a rima, o efeito de eco, palavras que abraçam outras como sol/dado, cama/leão e mais algumas peculiaridades de nosso idioma são aspectos que divertem e, ao mesmo tempo, despertam curiosidade sobre a língua.

A escrita das palavras também tem seu encanto e pode servir como brinquedo, na etapa de letramento. Um exemplo disso são as palavras homófonas e homógrafas, que mudam de significado mediante o contexto.

O importante na abordagem da poesia é que seja preservado o caráter lúdico da palavra, explorando uma estratégia pedagógica que suscite a interação da criança, envolvendo-a no jogo verbal.

Convém salientar que a poesia, assim como a canção, são textos completos com começo, meio e fim – e que tendo em vista sua riqueza sonora são facilmente memorizados, transcendendo de modo significativo a função da linguagem cotidiana. À medida que a criança cresce no domínio da fala coloquial, formulando frases e estabelecendo diálogos de modo a atender as necessidades de natureza puramente social, terá arquivado na memória um repertório considerável de textos lúdicos, que, certamente, migrarão para a fala cotidiana, sendo submetidos a apreciação dos pequenos.

O estoque de textos (poemas e canções), disponibilizados na memória da criança, possibilita associações, comparações, a identificação de semelhanças e diferenças, resultando em intimidade com o idioma e garantindo uma aprendizagem prazerosa.

Os benefícios que trazem os brinquedos verbais são incontáveis, uma vez que tal literatura viabiliza iniciar a criança em sua cultura local, através de um material estético que encanta, emociona e estimula sua interação social.

Vale ressaltar que a poesia destinada ao público infantil, quando explorada de forma oportuna e envolvente, na escola garante o êxito do processo de leitura e escrita; em casa constrói uma sólida ponte entre a criança e os pais. É preciso, portanto, fazer da poesia nosso pão de cada dia.

Elvira Drummond
(Profa. da Universidade Federal do Ceará, Licenciada em Artes, Bacharel em piano e Mestre em Literatura).